(acena)
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Ei! Moço... olha aqui! Olha pra mim! Sou eu! ... Como assim você não sabe quem
é? Você está aí me chamando há vinte anos, no mínimo, e agora não sabe quem eu
sou? Eu sou a moça das suas canções, seus poemas, suas escritas, sua arte,
aquilo tudo... aquilo tudo que tu tens sonhado. Ahn?! ... Ah tá... eu sei que
tu achas fizestes uma canção pra Maria, outra pra Berenice, a outra pra Luzia,
muitas muitas muitas canções para Giulia, mas ó, deixa eu te contar... tu não
estavas apaixonado por elas quando as compôs? Então... explicando assim de
maneira sucinta - abaixa o tom e cochicha perto do ouvido -: a gente sempre se
apaixona pela gente mesmo, chama-se projeção, é verdade... o Siguiomundo quem
descobriu isso. Sério! – balança a cabeça afirmativamente - Sério mesmo! Você é
profundamente apaixonado por si mesmo, se chama arrogância isso, é por isso que
a gente sempre tem uma certa timidez de escanteio, ainda que a gente disfarce
ou tente disfarçar com a nossa aparente e descontraída irreverência.
-....
-
Como que é possível você ter feito tudo pra mim se você às fez todas pra ti?
Ahhh é... esqueci de explicar essa parte, desculpe! Primeiramente prazer - estende a mão -, eu sou você, quer dizer... eu sou você mulher. Tá, eu sei que
é estranho mas é assim...
-
....
-
Nááááá... nada a ver, alma gêmea, pfff... hahahah. Não é isso não, hahahaha.
Alma gêmea é outra coisa, aliás, esse negocio de ‘carne e unha, as metades das
laranjas, duas forças que se abraçam, dois amantes dois irmãos’ isso nem
existe. Eu quero dizer que eu sou Você, eu sou você mesmo. Prazer... Eu Mesmo!
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*@#$%¨&
-
Ai, credo, que horror!!! Calma! Não, não estou debochando de ti. Estou te
falando que o seu sonho está aqui ó: na sua frente – acena – e que para ele
acontecer, de fato... hum... você vai precisar sair daí...
-
:’(
- É... levanta do piano!
Vem, enxuga as lágrimas... mas só enxuga quando tiver esgotado toda a vontade
de chorar mesmo! Olhe menos pra baixo, seus ombros tem andado muito caídos
porque olhas muito pro umbigo – ajeita o queixo – Não, também não levante tanto
assim, não fique empertigado como um pássaro no cio – ri como uma garotinha –
se ficar assim antes de aprender a voar vai tropeçar, cair e trombar com tudo
que estiver pela frente. Olhe para frente, para os lados e mexa só o pescoço
quando por acaso precisar olhar algo no chão ou no céu, assim poupará as suas
costas de dores. Pronto! Está lindo assim: vês?! Eu não sou exatamente igual
você se imagina caso fosse mulher?!: um pouco mais baixa, mas nem tanto, um
pouco mais extrovertida por um lado e mais reservada por outro, a cor e o
tamanho dos olhos, os cabelos iguais aos de sua avó, os dedos compridos de
pianista, o corpo alongado, o jeito de se vestir e o tom de voz que você não
alcança – risinhos abafados – os seios fartos, os quadris largos, o corpo de
gestar, venha cá, abrace-me, abrace-se. Sente? Eu também estou do lado de
dentro, percebe? Eu te acalento, dou colo, faço uma comida boa, te nutro, dou
risada das suas piadas mais bobas, dou esperança de dias melhores quando o chão
parece desabar, faço um chá de ervas frescas e sou macio travesseiro de repouso
quando a sua cabeça parece não mais aguentar, seguro suas mãos nos dias de
frio. Tu, não me sentes, mas eu estou aí, sempre estive, tu me imagina muito
nos outros, sempre em outros tão tão distantes, outros dos horizontes perdidos.
Daí, quando distraído estás, eu apareço com um trio elétrico, na sua frente,
gritando pelos alto falantes minha poesia visceral. Te amas? Só me amas se te
amas. Queres que eu saia dos seus pensamentos? Quer que eu volte de Xangrilá, do
Butão ou da Sibéria? Então precisas me chamar, me convide para um chá, sirva-me
iguarias de seu coração: as poesias de mansidão, livres do já fatigado
dramalhão. Até agora eu escrevi, você não leu... eu falei, você não ouviu... eu
cantei, você nem percebeu. Agora eu me despeço, volto com o chamado, no
reencontro com seu sorriso. Deixo essa magia, para que nosso sonho não se perca
em avisos, gritados pelo alto-falante, do carro da padaria.
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