quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

As Luzes dos fiats

Para Lucas e Luiza (para que um dia, vocês se encontrem)

As crônicas do dedo quebrado:
[34º. Dia]
Eu sabia, luzia em seus olhos castanhos, a dor de quem está do outro lado da linha. Eu sabia, pois era eu quem, até então, sempre estive daquele lado, o lado de lá, o lado onde o fim parece inexorável (e é).
Naquela segunda eu senti Luzia e sentia também Elias, sentia Luzia através de Elias. O peso no cardíaco, inevitável, os olhos cansados, sem motivos, os sorrisos, perdidos... todos perdidos. Ainda que sejamos sábios como Budas e digamos que não se deve sofrer quando não há o que se fazer, aquela mão enorme da existência pesa, bem ali, no centro do Ser. Seja por culpa ou pelo desespero do “nada poder se fazer”, afinal, não éramos Deuses?!
Sentia Luzia na sua dor de morte, o bailado sem ritmo, perdido entre as poças do asfalto, alaranjadas pelos últimos feixes de luz das lâmpadas de sódio iluminando os paralelepípedos da cidade baixa. A delicadeza dos passos de pés pequenos, de pernas rosadas e finas, a sutileza de uma bailarina torpe, ébria de vinho ou tequila, como quem diz: “danço porque não posso agora aceitar seu abraço de piedade, que falsamente dá a esperança que não me alcança”.
Luzia colocava óculos escuros para não me ver, via em meus olhos as sombras da morte, nunca vira olhos assim, além daqueles presentes na face de seu bem amado. Assustada, entrava em negação, plasmava realidades bem facejas, dos tempos em que a roda e a tenacidade dos dias, retornavam à sua alcova. Luzia disfarçava para Elias, mentia em regalias e simpatias, fingia que não se iludia... mas a mim não, eu a sentia através do coração de Elias e me doía, me dava insônia e euforias, lembrava-me dos tempos de Matias.
Luzia, mesmo nascida sob o Sol do conhecimento, se via perdida nas falas da existência e a sua palavra macia, dada às boas comunicações, estava perdida, como já estivera outrora. E ela buscava se apegar a isso: “já acontecera outras vezes... já acontecera muitas vezes”. Mas algo nela lhe dizia que dessa vez era inexorável, não por quem Elias dizia que sofria, mas por quem ele não dizia... mas por quem (ela sabia)... ele sorria. Eu sabia, pois já estive ali, do outro lado, do outro lado da linha, quando perdi Matias (amor de dor e alegrias) e apesar das negativas, das afirmações de amor irrestritas, eu via, do outro lado da linha estava Bia.
E eu, nada podia fazer, o Senhor do Tempo tocava seus gonzos: era chagado o momento dos magos se haverem e terminarem seu sacerdócio dos tempos da antiga Abicínia!





Créditos de Imagem: Leonid Afremov

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