Tinha pena de quem morava naquela cidade, não quisera nunca mais por os pés lá, esquecera até que nascera lá. Certo dia, numa das andanças pela cidade-suja encontrou um anjo (que esqueceu de contar-lhe que era decaído, fora expulso lá do Céu e nunca mais pode prosear com Rafinha, o querubim, nem com Miguelito, muito obediente ao seu Senhor, só podia agora falar com humanos, bichinhos e ouvir de vez em quando o vozeirão do Pai dos Céus) e esse sem mais nem menos puxou assunto, estavam sentados num banquinho de concreto que ficava num jardim cheio de rosas cor-de-rosa dentro da estação de metrô mais central da tal cidade imunda.
_ Oi Clara! Bonito o jardim, não?
_ Sim, belíssimo. Mas hum, eu te conheço? Como você sabe meu nome?
_ Ah, nem é tão difícil assim, você tem cara de Clara. E é claro que você também sabe o meu.
_ Hum, não sei, você tem cara de... hum... de... de... hum, você tem cara de Luz, mas Luz é nome de mulher de origem hispânica, e você não tem cara de menina, se bem que... de menino você também não tem muito bem. Mas acho que é menino e Luz.
_ Então acho que acertamos, eu sou Luz e você é Clara.
_ Claro , claro...
_ Não gostas daqui, é?
_ Hum, não muito, sabe como é né, a única coisa que nutro por aqui é uma certa consideração por ser terra natal.
_ Nem desse jardim? Nem das rosas? Nem do céu azul emoldurando a torre dessa imensa catedral que se ergue atrás da gente? Nem do ventinho fresco que percorre sua nuca e leva longe seus cabelo quando sobes as escadarias do metrô? Nem de toda aquela arquitetura imponente do Teatro Municipal, do Museu Municipal, da estação de trem?
_ Hum, Bem, isso eu gosto, é o que me deixa feliz quando estou por aqui. Sabe, por falar em municipal...
_ Você adorou assistir o show da CéU lá, de camarote.
_ Sim, é também, eu gosto também de ...
_ Entrar na Catedral e fazer uma prece para Nossa Senhora! É... eu costumava gostar de passear por lá também, mas... hum, o padre não me deixa mas entrar, a última vez que dei as caras por lá discuti sério com o superior deles.
_ Nossa Luz, não se deve desacatar um bispo assim publicamente, é muito feio.
_ Eu não diria que era exatamente um bispo, Clara. Mas eu ainda acho que não deverias detestar tanto essa sua nobilíssima cidade.
_ Oh, mas eu não detesto, não mais, eu só não a amo como a outra que...
_ ... Tem vales, lagos, montanhas, flores nos jardins, aliás, tem muito mais jardim, aliás, quase todas as casas têm um. Cada dia um céu mais lindo e surpreendente que o outro, arco-íris no verão, neblina e cheiro de bolacha no inverno...
_ Grrrr... Luz, você poderia parar de me interromper! Vou indo, de repente fiquei atrasada, a gente ...
_ Se vê?
_ NÃO! A gente não se vê! Tem a maior cara de santinho, mas é... tão, tão... tão...
_ Manipulador?
_ Tchau!
Clara virou e foi-se sem prestar atenção na última frase do senhor Luz:
_ A gente se vê!
E sumiu numa fumacinha amarela um tanto quanto fedida.
2 comentários:
genial moça
hahaha
Muito obrigado por sua visita ao Metamórficus. Continue participando, envie críticas, sugestões, debates ! (Ainda não tive tempo de dar uma vasculghada no seu Bloig, o que pretendo fazer por esses dias...)
Bjs
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